Conversava com um amigo que passou por um quadro depressivo e fiz a seguinte pergunta: “o que eu poderia abordar sobre a depressão para ajudar pessoas que estão passando por situação semelhante?” A resposta veio rápida: “Alguns vídeos e livros que falam sobre a depressão mais deprimem do que ajudam. Em geral fala-se muito sobre os sintomas depressivos, mas não muito sobre como sair da depressão. Isso deprime ainda mais.”
Tive que concordar com ele. Por vezes, falamos dos sintomas da depressão de modo tão frio e tão pouco empático, que pode dar a entender que estamos dissecando um cadáver, em vez de estarmos ajudando uma pessoa. Não existe uma solução mágica para a “cura” da depressão.
Certa ocasião, comentava com uma colega de profissão, sobre um caso que estava atendendo. Após descrever alguns dos sintomas da pessoa que atendia, fiquei surpreso com a fala dela: “Se você encaminhar para mim dou um jeito nisso rapidinho.” Essa observação me causou espanto.
Em outra ocasião recebi a foto de um banner colocado na frente de uma igreja (com todo respeito aos cristãos e aos evangélicos, não considero uma igreja com tal atitude, como igreja cristã ou evangélica), que dizia assim: “Cura-se a depressão em cinco minutos”. É muita estupidez. É muita má fé. É muito desrespeito para com as pessoas que estão sofrendo de depressão.
Doutra feita, falava em uma igreja séria sobre depressão e enfatizei o dado estatístico, que aponta para o crescimento dos casos de depressão e suicídio entre jovens. Ao final, uma jovem me procurou de modo muito tímido e começou a falar do seu sofrimento. Perguntei se ela havia compartilhado com os pais. Ela disse que sim. Falou que a mãe a levou para uma dessas igrejas não cristãs e que chegando lá passou por uma experiência horrível de exorcismo. Que prática abominável. Em relação a esses falsos líderes religiosos não podemos dizer “santa ignorância”, mas sim: quanta ganância e falta de escrúpulo.
A depressão ainda é uma doença muito mal compreendida. Daí esses absurdos e a necessidade de trazer esclarecimentos sobre como reconhecer e tratar a depressão. Deixando bem claro que não existe remédio milagroso e nem mesmo uma terapia milagrosa. O que existe é o milagre de um tratamento profissional ético e correto. Isso não significa dizer que a fé fica de fora. Ela comparece enquanto uma força, um estímulo, para que a pessoa busque o tratamento.
Por vezes, quando falo da importância do tratamento psicoterápico no tratamento da depressão e de outras disfunções da alma (alma no grego é psique) em algumas igrejas, e pergunto quantas pessoas fazem ou já fizeram uma psicoterapia, ouço de alguns a seguinte resposta: “Meu psicólogo é Jesus”. Respondo: “Ótimo! Quando você precisa de um médico, de um advogado, de um engenheiro, de um contador, você usa o mesmo argumento?”. Ora, se vale para uma profissão deveria valer para todas, não é verdade?
Insisto em dizer que a fé em Deus não emburrece; esclarece. É só lermos a Bíblia para encontrarmos diversos relatos que apontam para os sintomas da depressão. Basta lermos a Bíblia para observarmos o quanto ela dedica espaço para falar de depressão, de angústia, de ansiedade, de medo, de culpa e de tantos outros problemas inerentes à pessoa. Os evangelhos relatam que o próprio Jesus sentiu angústia, medo, tristeza etc. Tenho dito que Jesus nos entende porque ele se fez gente como a gente.
No livro Mentes Depressivas, a doutora Ana Beatriz Mendes dedica um capítulo para falar da relação da depressão com a espiritualidade, ressaltando como a espiritualidade do deprimido deve ser levada em consideração. Não como forma de tratamento, mas como um recurso ao tratamento. Mas, sem dúvida alguma, é através da psicoterapia que as questões ligadas ao sintoma depressivo podem ser melhor compreendidas.
Mas, enfim, como sair da depressão?
Primeiro: reconheça os sintomas
Tenho dito que ninguém pode superar o que não consegue nomear. Costumo dizer, também, que nem toda tristeza é sinônimo de depressão. Vivemos em um tempo, que parece que todo mundo sempre tem de estar feliz. Por conta disso, muitas pessoas se esforçam para demonstrar uma felicidade que não estão sentindo. Só que, com o tempo, essa força contrária acaba deprimindo a pessoa.
Sem dúvida que em alguns momentos é preciso fazer um semblant (“Semblant etimologicamente vem de similus, semelhante, similitude, simulacro, é aquilo que se assemelha a algo”, lembra-nos Quinet (2018, p. 391). Em outras palavras, por vezes é preciso engolir alguns sapos. Mas daí a viver engolindo sapos como forma de manter a aparência de bom moço ou de boa moça, adoece.
Não podemos ignorar as pessoas, mas não podemos nos tornar reféns delas. Daí a palavra “relacionamento”. É preciso relacionar-se com as pessoas, sem se anular, sem ficar numa atitude passiva o tempo todo. É preciso assumir a própria dor e não escondê-la. Lembre-se: ninguém consegue superar o que não consegue nomear.
Segundo: busque ajuda
Tendo reconhecido, ou pelo menos admitido os sintomas, o passo seguinte é buscar ajuda. Achar que usar essa ou aquela técnica de modo isolado, como se fosse o chazinho milagroso da vovó, irá resolver o problema da depressão, é ledo engano. Hoje em dia, o que não falta são vídeos falando sobre como superar e vencer qualquer problema. E isso, de modo fácil e indolor, e muitos são os que se deixam levar por esse canto da sereia dos deprimidos.
Em um mundo onde se procura resolver os problemas de um modo cada vez mais rápido, porque não dizer instantâneo, é preciso ressaltar que o tratamento da depressão exige uma caminhada que, em geral, não é muito curta. Até porque, considerando os aspectos emocionais e psíquicos ligados à depressão é preciso ter a compreensão de que no tratamento psicoterápico aparecem muitos fios soltos, muitas cenas soltas, que atuam de modo determinante na formação dos sintomas depressivos.
Mas, aqui surge uma pergunta importante: qual o tratamento mais adequado para a depressão: tratamento psicoterápico ou tratamento medicamentoso, psiquiátrico? Depende. Cada caso é um caso, que precisa ser analisado de modo particular. Então, aqui vão algumas considerações:
Não tenho muito o que falar sobre o uso de ansiolíticos ou antidepressivos. Não sou médico, sou psicólogo. Mas é dado estatístico que cada vez mais as pessoas estão se valendo de remédios para o tratamento das questões da alma, do psiquismo. Inclusive, em muitos casos, usando esses medicamentos sem qualquer orientação médica. Isso não é bom.
A minha observação é a seguinte: quando necessário, o uso de antidepressivos – desde que devidamente receitados por um médico psiquiatra – é muito importante e não se deve ter receio de usá-los. Mas não podemos deixar de ver de modo crítico o avanço da indústria farmacêutica que tem investindo milhões de dólares na propaganda de medicamentos “milagrosos”, caracterizados como remédios de última geração, como forma de tratamento dos problemas da alma, do psiquismo.
De modo inescrupuloso a indústria farmacêutica tem reduzido o indivíduo a um emaranhado de tecidos nervosos e de reações bioquímicas, prometendo não somente a remissão (eliminação) dos sintomas depressivos, mas uma modulação do humor e dos comportamentos. Desse modo, se a pessoa, a criança, por exemplo, está muito agitada, receita-se um remédio para diminuir essa energia. Se está muito parada, receita-se outro remedinho para ficar um pouco mais esperta.
Acompanho a crítica da psicanalista Maria Rita Khel, no livro O Tempo e o Cão, quando diz: “O mais recente ‘avanço’ da psiquiatria consiste em substituir, pontualmente, comportamentos indesejáveis por outros, mais adequados. Dessa forma, não há razão para não se oferecer medicamentos também às pessoas consideradas ‘normais’, de modo a eliminar um ou outro comportamento indesejado, um ou outro estado de humor desagradável, e assim possibilitar a conquista de um estado de ânimo estável e sem conflitos, uma saúde mental ‘melhor que bem’. O psicanalista André Green qualificou essa corrente pragmática de ‘psiquiatria veterinária.'”
Em relação à depressão, Khel diz:
“A singularidade do sofrimento depressivo vem sendo banalizada pelo esforço de uma ala da psiquiatria que, aliada à indústria farmacêutica, esforça-se por reduzir as depressões a um somatório de transtornos entre os quais praticamente qualquer pessoa pode se incluir. Junto com a medicação, o que se vende é sobretudo a esperança de que o depressivo possa rapidamente normalizar sua conduta sem ter de se indagar sobre o seu desejo.”
No livro O Delírio da Depressão, o Dr. Terry Lynch, médico e psiquiatra, faz uma crítica muito profunda em relação ao avanço da indústria farmacêutica no tratamento da depressão. Segundo ele: “Pesquisa confiável e replicada indica que os antidepressivos são pouco mais eficazes do que placebos ativos.”. Diz, também, citando uma pesquisa com 240 pacientes, do Archives of General Psychiatry, que “a psicoterapia pode ser tão eficaz quanto os medicamentos”.
Repito que cada caso deve ser analisado de modo específico. As depressões não são iguais. Uma é a depressão neurótica, depressão maior, onde o depressivo se mantém conectado com a realidade que o cerca, e outra, totalmente diferente, é a depressão psicótica, onde há esse corte com a realidade. Os delírios, as vozes, o sentimento persecutório e de profunda prostração (melancolia), são manifestações de uma depressão psicótica, que são consideradas mais graves. Nesses casos é de fundamental importância que o tratamento seja através de um acompanhamento médico psiquiátrico, aliado a psicoterapias.
No caso da depressão maior, depressão neurótica, onde a despeito do abatimento, da apatia, da tristeza, a pessoa se mantém conectada à realidade, o tratamento através de uma boa psicoterapia é suficiente.
O importante, no entanto, é destacar que o tratamento da depressão, bem como de todas as doenças, não deve ficar restrito a áreas específicas, mas sim ser desenvolvido de modo multidisciplinar. Cabe aqui a citação do psicólogo Abraham Harold Maslow (1966), que disse algo bem interessante nesse sentido: “Suponho que seja tentador, se a única ferramenta que você tem é um martelo, tratar tudo como se fosse prego.”.
Sobre a importância do tratamento psicoterápico penso que é importante ressaltar que ele está baseado de modo fundamental na fala do paciente. Cito aqui um episódio que foi determinante na fundação da psicanálise freudiana como forma de tratamento do sofrimento psíquico.
Quando Freud iniciou a sua pesquisa – o tratamento dos casos de histeria –, ouviu de outro colega médico que o acompanhava, Josef Breuer, o caso de Anna O., uma paciente sua. Josef Breuer disse para Freud, que ao solicitar que a paciente falasse o que lhe viesse à mente, de modo livre, sem filtrar, ouviu, ao final da sessão, as seguintes palavras dela: “o seu método de trabalho parece como uma limpeza de chaminé, uma cura pela palavra”.
Podemos, então, dizer, que o caso da paciente Anna O. foi o caso precursor da fundação do método psicanalítico, que está baseado na cura pela palavra. Por mais que a depressão traga a marca de um certo mutismo, de uma certa passividade e, porque não dizer, de uma certa “má vontade” em relação ao tratamento. O que se oferece àquele que está sofrendo é um espaço onde ele possa falar do seu sofrimento. É através da fala que os pontos nodais da depressão serão revelados e desfeitos.
Acontece que tocar no cerne do problema não é uma tarefa fácil. Daí que muitas pessoas chegam para o atendimento psicoterápico com uma hipótese diagnóstica a tiracolo. Atendi um paciente que agiu exatamente desse modo. Chegou ao consultório trazendo um diagnóstico de síndrome do pânico a tiracolo. Disse que tinha vários ataques que davam a impressão de que iria morrer. Corria para a emergência do hospital e depois de alguns exames feitos, a resposta dos médicos era a mesma: “você não tem nada”. Isso até o dia em que ouviu de um médico o seguinte diagnóstico: “Você está com a síndrome do pânico e deve procurar um atendimento psicológico o mais rápido possível.”
Chegou ao consultório com esse diagnóstico. Ato contínuo ele diz: “sei que os psicólogos gostam de ficar ouvindo a história das pessoas. Então, vou falar de uma vez, mas quero dizer que isso não tem nada a ver com o que estou sentindo.” (grifo meu). Disse que não gostava do pai, que era muito violento. Contou que em certa ocasião o pai lutou com um bandido, foi ferido na perna e precisou passar um bom tempo deitado, sem se movimentar. Falou que aproveitou que o pai estava nessa situação e passou a xingá-lo, valendo-se do fato que o pai não poderia levantar da cama. Disse, também, que em certa ocasião, quando entrou no quarto onde o pai estava, viu que ele tinha se suicidado. Relatou que fechou a porta imediatamente, e que não lembrava de mais nada em relação a esse episódio.
Concluiu o seu relato dizendo: “A minha história é essa, mas repito que não tem nada a ver com o que tenho sentido agora.” E acrescentou de modo enfático: “E aí, doutor, o que preciso fazer para parar com esses ataques de pânico?”.
Não é assim que a maioria das pessoas chegam à uma sessão psicoterápica, buscando uma solução rápida? É preciso manejar a pergunta feita pelo paciente de modo a conduzi-lo ao núcleo do problema, a partir da fala dele.
Terceiro: tenha uma boa rede de apoio
Por vezes os sintomas da depressão são observados pelas pessoas mais próximas, como os familiares. É que em geral a pessoa que está sofrendo de depressão tenta disfarçar os sintomas, dizendo: “é só um cansaço por conta do trabalho” e outros artifícios. Quando é pega chorando escondida fala que “foi um cisco que caiu no olho”, entre outras evasivas. Por conta disso, é preciso que a pessoa que começa a apresentar sintomas da depressão, esteja atenta a esse retorno dado pelas pessoas mais próximas.
Por que muitas pessoas escondem os sintomas depressivos? Porque se sentem julgadas, com abordagens do tipo: “por que essa tristeza toda, você tem uma família bonita, está tudo em ordem, não tem sentido se sentir assim?”. Ou, então afirmam: “Você precisa ser forte”, “você precisa ter fé”, ou, pior do que isso, “você não confia em Deus”. Palavras assim não ajudam em nada. Só pioram. O depressivo não precisa de julgamento, mas de acolhimento.
Mas, cabe aqui uma ressalva importante, que é a seguinte: “quem apoia, precisa ser apoiado”; “quem ajuda, precisa ser ajudado”. Tenho dito nas minhas falas que oferecer apoio para aqueles que apoiam é muito importante. Por vezes aqueles que estão mais próximos do depressivo, no caso, os familiares, precisam buscar apoio para que possam ter recursos internos para ajudar o depressivo. Quem convive com uma pessoa depressiva entende o que estou dizendo.
O tratamento da depressão ainda é um desafio. Infelizmente ainda existe muito preconceito em relação à depressão. Mas é um desafio que precisa ser assumido. Segundo o Dr. Shekhar Saxena, no ano de 2030, a depressão sozinha será a maior causa de perdas na população mundial, entre todos os problemas de saúde.
Algumas pessoas comparam a depressão com a travessia de um longo túnel escuro. Mas é preciso destacar que através do tratamento é possível realizar essa travessia. Destaco e reforço que por mais longo que seja o escuro túnel da depressão, existe uma luz em seu final. Depressão tem cura. Depressão tem tratamento.
Ailton Gonçalves Desidério
Psicólogo Clínico
Mestre em Psicologia pela UFRJ