Depressão: O Infarto da Alma

Existem diversas maneiras de falar da depressão. Em geral, as pessoas descrevem a depressão dos seguintes modos: uma noite sem fim, uma tristeza inexplicável, um túnel sem luz, um vazio profundo, um peso invisível, um aprisionamento mental, dentre outras. São formas simbólicas de expressão de uma dor sem explicação. Gostaria de usar um outro simbolismo para falar da depressão. Para mim, depressão é o que chamo de “infarto da alma”.

Estamos relativamente familiarizados com a expressão médica “infarto do miocárdio”, que descreve uma condição caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias coronárias. Quando uma dessas placas se solta, forma-se um coágulo que bloqueia o fluxo sanguíneo, resultando no infarto do miocárdio, que pode levar a óbito.

Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), mais de 17 milhões de pessoas morrem anualmente, vítimas de doenças do coração. No Brasil são aproximadamente 360 mil mortes por ano. O site da Sociedade Brasileira de Cardiologia mantém um contador, chamado de “cardiômetro”, que demonstra em tempo real, o número de óbitos devido a problemas cardíacos no Brasil, que acontecem em média a cada 90 segundos.

Há tempos, um conhecido foi levado às pressas para a emergência do hospital, com quadro de infarto. Foi atendido a tempo, fazendo exame de cateterismo dias depois. Para surpresa de todos, foi constatado que não havia nenhuma placa de gordura que justificasse o infarto. O diagnóstico médico foi que se tratava de um quadro de infarto por causa emocional.

A correlação entre o corpo e a alma é mais profunda do que se possa imaginar. Estudiosos têm reconhecido que “As emoções profundas são capazes de provocar distúrbios da circulação, inclusive hipertensão e crises cardíacas” (Lewis e Howard R. Fenômenos Psicossomáticos).
Na tragédia Macbeth, escrita pelo dramaturgo inglês William Shakespeare, há uma fala muito interessante, que ilustra bem o que estamos falando aqui: “Dai palavras à dor. Quando a tristeza perde a fala, sibila ao coração, provocando de pronto uma explosão”.

Enfim, a correlação existente entre a alma e o corpo é muito maior do que a nossa vã filosofia, porque não dizer, ciência, pode imaginar. No livro Mitos e Neuroses, o psiquiatra Paul Tournier, citando Rougemont, diz que existe uma “unidade indissolúvel do conjunto”, e quando ele se refere ao conjunto, ele está se reportando a tudo o que compõe a identidade do ser. Para o autor citado, nos “somos homens” por um conjunto de fatores, que ele relaciona: “nosso corpo, nosso psiquismo, nossa mente, nosso inconsciente e nosso espírito” e, acrescenta: “não há um limite definido”.

Se as placas de gordura acumuladas nas artérias podem levar a um infarto do miocárdio, as gorduras emocionais, os sentimentos, ou melhor, os ressentimentos acumulados na vida, podem levar à depressão, enquanto infarto da alma.

No livro A Alma, os autores, Anselm Grün e Wunibald Müller, dizem que a palavra grega para alma é “psique”, e pode ser associada a uma borboleta, leve e livre. Gostei muito dessa definição. A beleza da alma está diretamente associada à leveza da alma. Como disse o sábio Salomão: “​O coração alegre traz um belo sorriso ao rosto, mas, quando o coração está triste, o dia custa a passar”.

Uma outra interpretação dada por Anselm Grün e Wunibald Müller para “psycho”, para a alma, é “sopro”, “respiração”. Podemos entender a alma como uma janela aberta para o mundo, onde o vento circula, arejando todo o ambiente. Podemos dizer que é uma manifestação clara, gostosa e apaziguadora, da insustentável leveza do ser.

Entretanto, quando a pessoa não está emocionalmente bem, as janelas da alma se fecham. O ar fica pesado e o abatimento toma conta do corpo. A angústia manifesta-se na vida de forma mais acentuada e as crises de pânico aparecem como sintoma do estrangulamento da alma. É o que chamo de “infarto da alma”, que bem pode ser a depressão.

No caso do infarto do miocárdio, uma das ações médicas é o tratamento invasivo, através de um cateterismo, que detecta a obstrução, eliminando-a a partir de um stent que desobstrui a artéria, restaurando a circulação sanguínea. A ação na depressão, enquanto infarto da alma, a ação invasiva não é de fora para dentro, mas de dentro para fora, através da fala do depressivo.

Para desobstruir a alma é preciso falar.

No contexto do tratamento psicanalítico, tal qual fundado por Freud, a fala desempenha um papel fundamental, pois é a partir dela que o paciente consegue explorar seu mundo interno, trazendo à tona questões que estavam ocultas na mente. Ao falar do que está sentindo, as emoções, memórias traumáticas e pensamentos reprimidos são admitidos e ressignificados. Daí a máxima psicanalítica que é a cura pela palavra.

Anselm Grün diz que “a alma pede a palavra através da depressão”. Ou seja, a depressão é um grito que sai da alma. Um estrondoso e contraditoriamente silencioso grito que sai da alma. Lembro de um atendimento que começou com a paciente ficando literalmente em silêncio. Sustentei o silêncio, que em determinado momento foi interrompido por um forte e estrondoso grito, interpretado pela paciente como lembrança do abuso sofrido quando era criança.

O analista Carl Gustav Jung sugeriu que devemos encarar a depressão como uma convidada, ou seja, uma senhora vestida de preto que traz mensagens importantes. Em vez de rejeitá-la, devemos convidá-la para a mesa e ouvir o que ela tem a dizer. O que toca a alma é a fala do paciente e não a fala do terapeuta.

Quando uma pessoa apresenta sinais de infarto do miocárdio é preciso levá-la imediatamente para um pronto atendimento médico. De acordo com orientações médicas, o socorro para uma pessoa que está infartando deve ocorrer o mais rápido possível. Quando isso não acontece a pessoa pode vir a óbito.

Na depressão, aqui vista como o “infarto da alma”, quanto mais cedo se procurar ajuda profissional, melhor. O problema é que na maioria das vezes a depressão é confundida com um cansaço que vai passar, um estresse que também vai passar, uma indisposição ou uma tristeza, que também vão passar; mas não passam, acentuam-se.

Sem dúvida, que é difícil falar da depressão, durante a depressão. Porém, é preciso que essa dificuldade seja vencida e o tratamento seja iniciado. A depressão não é uma doença mortal. Mas ela pode levar à morte. Os casos de suicídio são a prova disso. Segundo apontam alguns estudos, aproximadamente 40% dos casos de suicídio estão associados à depressão.

É preciso tratar da depressão não somente como forma de evitar a morte, mas como forma de ter uma melhor qualidade de vida. No livro O Tempo e o Cão, a psicanalista Maria Rita Khel diz:
“Sabemos que nem todos os depressivos retiram-se, fisicamente, do convívio com os outros e das tarefas que lhes cabem cumprir. Muitos se retiram apenas emocionalmente, funcionando num simulacro de normalidade, numa vida morta da qual não esperam nada que torne o futuro desejável.”

Depressão tem tratamento, e a cura pela palavra é o melhor tratamento para a depressão. Daí a importância de fazer uma boa análise, uma boa psicoterapia. A psicanálise sustenta que a depressão, muitas vezes, está ligada à repressão ou à incapacidade de lidar com emoções intensas, especialmente aquelas consideradas inaceitáveis ou dolorosas. Essas emoções podem incluir raiva, tristeza profunda, culpa, dentre outras.

Na psicanálise, o analista proporciona um ambiente seguro e encorajador para que o paciente possa expressar livremente suas emoções. O que significa falar livremente sobre experiências dolorosas, relatar lembranças traumáticas ou simplesmente permitir-se sentir as emoções sem julgamento.

E, assim, na medida que o paciente se torna mais confortável em expressar esses sentimentos reprimidos, a carga emocional associada a depressão vai diminuindo, os sintomas depressivos vão se desfazendo, abrindo espaço para a boa fluidez da alma, do psiquismo, da vida emocional, da vida como um todo.

Ailton Gonçalves Desidério
Psicólogo Clínico
Mestre em Psicologia pela UFRJ

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