Depressão Sorridente

Você já ouviu falar sobre a depressão sorridente? Eu nunca tinha ouvido falar. Deparei-me com a expressão no livro Depressão, escrito pelo Dr. Kwame Mckenzie, onde ele diz que: “nem todos que sofrem de depressão se sentem tristes – algumas pessoas dizem que não se sentem deprimidas, mas procuram o clínico geral com sintomas físicos como dores no corpo, dor de cabeça ou cansaço que apontam para um diagnóstico de depressão.”

Observamos assim que o que o Dr. Kwame chama de “depressão sorridente”, nada mais é do que uma negação da depressão em si. A questão é a seguinte: por que muitas pessoas têm dificuldade em aceitar que estão deprimidas?

Primeiro: Falta de Conhecimento.
A depressão é uma doença do corpo como um todo. Na verdade, todas as doenças, por mais que estejam localizadas em um órgão do corpo, são doenças do corpo como um todo. Não é o estômago que sofre isoladamente por conta de um problema estomacal, mas sim o corpo que tem um estômago.

A depressão não é um problema da mente, do psiquismo, do cérebro, como alguns insistem em dizer. É um problema do corpo e afeta o corpo como um todo. É nesse sentido, que o Dr. Kwame chama a atenção para os sintomas como dores nas costas, enxaquecas, cansaço e outros, que podem estar sinalizando uma depressão.

Se o problema é dor nas costas, basta tomar um relaxante muscular. Se é uma enxaqueca, basta tomar um analgésico ou ficar por um tempo isolado num quarto. Se é cansaço, mas a pessoa não está conseguindo relaxar, quem sabe um ansiolítico resolve.

A medicina moderna está altamente especializada. E a prática de muitos profissionais da área da saúde, em especial na área da saúde mental, é simplesmente eliminar a dor, sem se preocuparem com a origem da dor, com a causa da dor.

Tenho dito que toda doença tem uma história a ser contada. É preciso ouvir essa história para se chegar à causa do problema. Acontece que essa história nunca é contada de uma única vez. Ela vai sendo contada com o tempo, trazendo à tona questões que a própria pessoa que está sofrendo desconhecia. É dentro deste contexto que o psicólogo, na condição de profissional da escuta, tem o seu espaço. Por mais incrível que pareça, o fato é que a fala cura!

É através da fala, pelo afeto, que a angústia – que de um modo metafórico pode ser vista como se fosse um estrangulamento da alma –, pode ser dissipada. É a partir da fala que os sentimentos reprimidos que borbulham no caldeirão do nosso mundo interior podem fluir, eliminando todo aquele inquietante azedume emocional.

Não despreze o valor da fala. William Shakespeare disse: “​Dai palavras à dor. Quando a tristeza perde a fala, sibila ao coração, provocando de pronto uma explosão.” A depressão aparece na vida de uma pessoa com a força avassaladora de uma explosão, na verdade, uma implosão da alma. Implosão esta que reverbera no corpo como um todo.

Os sintomas de depressão não podem ser resumidos à tristeza. Tenho deixado claro em algumas palestras que nem toda a tristeza é sinal de depressão. A tristeza do luto, por exemplo, é natural e precisa ser expressada. Freud deixou isso claro no texto Luto e melancolia (1915), quando diz o seguinte: “vale a pena notar, que embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos em que seja superado após certo lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele.”

O luto exige um tempo de elaboração. Se esse tempo é muito prolongado aí pode sinalizar que tem algo na vida emocional da pessoa enlutada, que foi colocado em cena a partir da perda, que precisa ser vista, que precisa ser tratada em uma psicoterapia. É importante considerar que o luto é expressão de uma experiência de perda, que pode ser: perda de um relacionamento afetivo, perda do emprego, e tantas outras perdas da vida.

A tristeza é um sinalizador importante nos casos de depressão, mas não é o único. Existem outros sinais, outros sintomas, que precisam ser observados. É dentro deste contexto que o Dr. Kwame fala da depressão sorridente, como sintomas que olhando de modo isolado não têm a ver com a depressão. Mas, quando observados em conjunto com outros sintomas, podem apontar para quadro depressivo. Infelizmente, nem todos os profissionais que atuam na área da saúde estão atentos a isso.

Segundo: Estigma Social
Ainda hoje muitas pessoas rejeitam o diagnóstico da depressão por conta do estigma social, ou seja, por conta “do que os outros vão pensar”. O peso de sustentar uma imagem de bem estar, que não corresponde à realidade, só acentua o quadro da depressão.

Infelizmente, em pleno século XXI, a depressão ainda é associada à fraqueza emocional, à falta de vontade, à preguiça e, no ambiente religioso, alguns crentes ainda associam a depressão à falta de fé. Nada mais equivocado e antibíblico.

Encontramos na narrativa bíblica diversos relatos que apontam para um quadro depressivo. No capítulo 42 do livro de Salmos, por exemplo, o autor bíblico, provavelmente Davi, apresenta alguns dos sintomas da depressão: angústia, instabilidade emocional, insônia, lembranças amargas, apatia, falta de apetite, agitação emocional, dentre outros. Por outro lado, histórias como as dos profetas Elias e Jonas; a história de Jó e de tantos outros personagens bíblicos; apontam para o que hoje conhecemos como depressão.

É um equívoco enorme pensar que a fé em Deus torna o crente imune aos sofrimentos da vida, às oscilações da alma. Vale ressaltar que o próprio Filho de Deus, durante o seu ministério terreno, não escondeu suas emoções com medo de ser julgado. Ao contrário, disse: “A minha alma está angustiada até a morte” (Mt 26.38), “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste” (Mt 27.46). Se o próprio Filho de Deus não escondeu os seus sentimentos, por que deveríamos esconder os nossos, com medo do que as pessoas vão pensar?

Ninguém consegue viver de modo isolado, sozinho, como se fosse uma ilha. Precisamos uns dos outros. Mas isso nunca deve nos tornar reféns do outro. Não devemos mascarar nossa dor, nosso sofrimento, para demonstrar para o outro que somos fortes, corajosos e que temos fé em Deus.

A depressão é uma doença que mexe muito com a autoestima do depressivo. Por vezes a baixa autoestima é um dos fatores constitucionais da depressão. Uma pessoa que em relação ao outro sempre se coloca numa posição de inferioridade está se ferindo emocionalmente e com o passar do tempo pode vir a desencadear uma depressão por conta dessa desvalorização de si.

Outro fator que prejudica muitas pessoas a reconhecerem que estão com depressão é o sentimento de autossuficiência.

Terceiro: Sentimento de Autossuficiência
Frente a esse ou aquele sintoma é natural que num primeiro momento a iniciativa seja de buscar a remissão (eliminação), do mesmo, por iniciativa própria. É assim que frente a uma dor de cabeça inesperada tomamos um analgésico, e frente a um estado febril tomamos um antitérmico.

Mas, quando a dor de cabeça e a febre não passam, ou passam quando administramos um medicamento, voltando logo em seguida, é sinal de que precisamos buscar ajuda. Continuar usando paliativos para tratar de sintomas recorrentes não resolve o problema, só aumenta.

Um dos sintomas marcantes da depressão é o sentimento de tristeza. O que não significa dizer que toda a tristeza é sintoma de uma depressão. O problema é que em um mundo marcado pelo imperativo da felicidade, ninguém pode se sentir triste. Penso que o imperativo da felicidade, tão bem caracterizado nas mídias sociais, onde todos estão lindos e sorridentes, é um dos fatores sociais que tem contribuído para o crescimento da depressão em nossos dias.

Ao contrário do que alguns pensam, os sintomas da depressão não se resumem à tristeza, mas a um conjunto de sintomas, onde a tristeza aparece como um indicador muito importante. Ou seja, se a tristeza aparece de modo recorrente, em um período mais ou menos prolongado, é possível sim que seja sinal de uma depressão.

Mas, mesmo assim, será preciso levar em conta outros sintomas, tais como: insônia ou hipersonia, perda de apetite, pessimismo, oscilação do humor e até mesmo dores pelo corpo. Enfim, a tristeza não é o único sintoma da depressão, mas é preciso ficar atento para que ela não seja tratada, vista, como algo sobre o qual a pessoa tem pleno domínio.

O sentimento de autossuficiência pode levar a pessoa que está com depressão ao uso indevido de ansiolíticos e antidepressivos. Ou seja, sem prescrição médica. Os prejuízos dessa prática indevida são muitos, tanto no que diz respeito ao acentuamento da depressão, como também no que diz respeito ao surgimento de outros problemas; físicos e psíquicos.

A depressão tem um componente emocional, psíquico, muito prevalente. Daí a importância do tratamento psicoterápico e, sempre que for necessário, do tratamento psiquiátrico.
No livro O Delírio da Depressão, Terry Linch, cita um artigo publicado em 2005 no Wall Street Journal, escrito por Sharon Begley, onde ela diz que: “A maioria das pessoas tratadas para depressão obtém pílulas em vez de psicoterapia, e nesta semana um estudo da Universidade de Stanford informou que, para adolescentes deprimidos, as drogas têm suplantado a psicoterapia, apesar dos riscos reconhecidos.

Direcionamentos clínicos aconselham a usar ambos, e que a psicoterapia seja o tratamento principal para a maioria das crianças. A psicoterapia ‘pode ser tão eficaz como os medicamentos’ na depressão severa, concluiu em abril um estudo com 240 pacientes, no Arquives of General Psychiatry. Numerosos outros estudos concluíram o mesmo.”

CONCLUSÃO

No livro “Depressão”, Dr. Kwame diz que a depressão sorridente pode ser entendida como “o subconsciente pregando uma peça e não permitindo que a mente consciente admita que a pessoa se sente deprimida.”

Entendemos que a depressão sorridente é uma forma de fuga. Uma fuga muito perigosa, diga-se de passagem. Fugir do problema não resolve o problema; acentua. Por mais difícil que seja aceitar a depressão é preciso reconhecer que o que não pode ser nomeado, também não pode ser superado. Como diz o antigo ditado popular: “doença não dá em pedra”. Portanto, não ignore os sintomas depressivos. Busque ajuda. Depressão tem tratamento.

Ailton Gonçalves Desidério
Psicólogo Clínico
Mestre em Psicologia pela UFRJ

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