Ecologia da Alma: Depressão e Devastação Emocional

A vida é traumática por natureza. Já escrevi um artigo sobre isso. São muitos os fatores que podem gerar um trauma: desastres naturais, exposição a situações de violência…

Há alguns anos diversas pesquisas apontam que a devastação, a degradação do planeta tem causado e vai causar sérios problemas para a humanidade. Por conta disso, cientistas, ambientalistas e ecologistas estão chamando a atenção da sociedade para a importância de cuidarmos do meio ambiente.
Mas existe uma outra devastação que tem afetado de modo contundente a vida de milhares e milhões de pessoas no mundo: é a devastação da alma, a devastação das emoções, a devastação do que toda pessoa tem de mais precioso na vida, que é o seu mundo interior.

Por conta disso, quero ressaltar que, se o cuidado com o meio ambiente é uma questão muito importante – até porque sem as condições oferecidas pelo meio ambiente não há possibilidade de vida – do mesmo modo, o cuidado com o mundo interior, como forma de promoção da saúde mental, é muito, muito importante.

Penso que a degradação da natureza também está relacionada com a devastação do mundo interior das pessoas. Quem não se preocupa e não cuida de si mesmo também não cuidará do mundo a sua volta. A compreensão é muito simples: o cuidado com o mundo externo sempre é reflexo do cuidado com o mundo interno. Quem não está bem consigo mesmo não se importa em ver o circo, ou melhor, a mata pegando fogo.
Por falar em fogo, o fogo do burnout, síndrome do esgotamento emocional intenso, também conhecido como “síndrome do fósforo queimado”, tem consumido a vida de muitas pessoas. O burnout é um transtorno psíquico de caráter depressivo que tem afetado milhares de pessoas por conta do excesso e da tensão do trabalho que desenvolvem.
Quero, então, propor algumas ações de prevenção à devastação do mundo mais significativo que temos, que é, repito, o nosso mundo interior. Denomino esse conjunto de ações como uma “Ecologia da Alma”.

1ª Ação:
Eliminando as toxinas da alma

Toxinas são substâncias que causam danos à nossa saúde. O surgimento delas está ligado a grande produção dos radicais livres, que alguns dizem ser o lixo da célula. Os radicais livres são produzidos pela ingestão excessiva de alimentos que afetam o metabolismo do corpo.

Quando falamos de toxinas da alma, estamos nos referindo a emoções “negativas” (na verdade todos os sentimentos, até mesmo os mais incômodos, são sinalizadores de algo que precisa ser visto e observado. Quando isso não é feito, o sentimento, a emoção tende a aumentar como forma de chamar a atenção, e esse aumento da intensidade da emoção é prejudicial à saúde mental e à saúde como um todo). O que precisamos compreender é que todas as emoções buscam uma forma de expressão.

Inclusive, o significado da palavra emoção é “mover para fora”. Assim, emoções retidas devastam a nossa alma. A Bíblia destaca a importância de expressarmos as nossas emoções quando diz: “Irai-vos, mas não pequeis” – ou seja, expressar os sentimentos não é pecado.

Fiz um curso de psicossomática na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Neste curso uma bancada seleta, formada por renomados médicos, psicólogos e psicanalistas, discutia casos que eram apresentados pelos alunos do curso, fruto das visitas que estes faziam aos pacientes internados lá.
Lembro-me de um caso apresentado que falava sobre uma senhora diagnosticada com uma úlcera duodenal grave. A história de vida desta paciente era marcada por amargura, ressentimento e ira; tudo por conta de abusos, maus tratos e abandono os quais não foram elaborados, mas guardados.

Será que se ela tivesse falado, se tivesse buscado ajuda para falar do que ela estava sentindo, ela teria desenvolvido aquela úlcera gástrica? Não tenho como afirmar. Ainda assim, uma coisa é certa – e a psicossomática dá provas disso: sentimentos que não são elaborados envenenam a alma e adoecem o corpo.
Vale dizer, pois, que nossa alma, o nosso mundo interior, não deve ser um depósito de lixo, um lixão, onde jogamos os resíduos dos sentimentos que não foram elaborados. Ao contrário, a nossa alma, o nosso mundo interior, deve ser como um jardim, um lugar agradável, que inspire a nossa vida e, novamente, não como um lixão com os mais variados tipos de detritos.

Mas uma coisa é certa: não há como viver sem sentirmos tristeza, raiva, ira, decepção, medo, ansiedade, angústia. Sentimentos que, de modo equivocado, chamamos de negativos.

Sentimentos não são negativos. Eles sinalizam que algo precisa ser feito. Mas o jeito como lidamos com eles pode fazer com que sejam negativos e nocivos para a nossa saúde espiritual, emocional e física; podem fazer mal para a vida como um todo.

Então, se o nosso mundo interior não pode ser um lixão, mas um jardim, como devemos proceder em relação aos sentimentos que nos incomodam?

2ª Ação:
RECICLE SEUS SENTIMENTOS

Vivemos um momento de uma consciência cada vez mais crescente sobre a importância da preservação do meio ambiente. É só olharmos à nossa volta para observarmos como o meio ambiente tem sido devastado, degradado.

Como bem disse o filósofo inglês Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem”. Ao degradar o meio ambiente, o homem está inviabilizando a própria vida no planeta Terra. A natureza sobrevive sem o homem, mas o homem não sobrevive sem a natureza.

Aliás, um dos grandes fatores de devastação da natureza causada pelo homem é a produção de lixo. O Brasil produz aproximadamente 80 toneladas de lixo por ano. É muito lixo! Sem dúvida, porém, que todos nós podemos contribuir para a redução da produção de lixo. Mesmo não tendo como zerar tudo, podemos reciclá-lo.

A reciclagem do lixo é uma maneira inteligente de evitar a devastação da natureza e uma forma de produzir riqueza. Isso mesmo: tem muita riqueza no lixo. Por exemplo, segundo artigo do site da CNN, de agosto de 2020, o Brasil produz 80 toneladas de lixo por ano, mas só recicla 4%; deixando, por isso, de faturar 14 bilhões de reais anualmente.

O paralelo que quero fazer a partir dessas colocações é o seguinte: ninguém consegue viver sem produzir “lixos emocionais”. Existem aborrecimentos, tristezas e perdas na vida. Não tem jeito. Porém, é plenamente possível diminuir a incidência desses aborrecimentos, os quais acabam produzindo emoções que afetam o nosso corpo. Como? Vale a máxima filosófica: “conheça-te a ti mesmo”.

Assim, o fato concreto é que não tem como viver sem nos depararmos com experiências difíceis, traumáticas, que suscitam sentimentos que não podem ser jogados no nosso mundo interior. Antes, esses sentimentos precisam ser elaborados. Precisam ser reciclados.

Diante disso, de que modo podemos reciclar os nossos sentimentos, as nossas emoções? De várias maneiras; por exemplo: através de um passeio para “arejar a cabeça”, de uma ida ao cinema ou ao teatro, lendo um bom livro, escutando uma boa música, praticando um esporte, etc.

Mas a melhor maneira de reciclar as emoções é falando sobre elas. Em relação às nossas emoções, o silêncio sepulcral pode ser como uma pá de cal, que leva à depressão e até mesmo à morte. A fala, por isso, é a melhor maneira de evitar a devastação da alma, assim como é também a melhor maneira de restaurar a beleza do nosso mundo interior.

Eliminar as toxinas da alma e reciclar as emoções são, até certo ponto, ações reativas. Para que possamos manter a saúde do nosso mundo interior, conservando o jardim que existe dentro de cada um de nós, precisamos de uma outra ação muito importante que é:

3ª Ação:
PROTEJA SUA NASCENTE

O nosso mundo interior é fluido. A energia que brota de dentro de cada um de nós é fluída. Nos evangelhos encontramos a história do encontro de Jesus com uma mulher que tinha ido buscar água no poço de Siloé.

Jesus viu na vida daquela mulher uma necessidade para além da necessidade física, que podia ser suprida pela água. Jesus viu uma necessidade emocional e, acima de tudo, espiritual e sinalizou isso para aquela mulher, uma samaritana, dizendo: “se você crer em mim, rios de água viva fluirão do seu interior” (João 4: 13 e14).

Dentro de cada um de nós existe uma fonte de vida que precisa ser muito bem cuidada. Um dos principais problemas para a escassez de água no mundo é a devastação da floresta que protege as fontes naturais, de onde nascem os rios.

A nossa mente é a nossa fonte de vida. Isso não é novidade. Os romanos já sabiam disso. Daí a famosa frase: “mente sã, corpo são”. Quando cuidamos da nossa mente, nós estamos cuidando da fonte que irriga o nosso mundo interior.

Cuidar da mente não significa necessariamente cuidar do cérebro, enquanto órgão. Sem dúvida que o cérebro, enquanto um órgão importante do corpo, precisa de atenção. Mas não podemos confundir o cérebro que tem aproximadamente 100 bilhões de células nervosas com a mente.

Olhem: não estou valorizando a mente em detrimento do cérebro! O corpo humano é um todo intrincado e inseparável, e é isso que o torna admirável. Quero dizer: em condições normais de saúde fisiológica, é a mente que determina o funcionamento do cérebro e não o contrário.
Para que a nossa saúde mental não seja afetada, e o nosso mundo interior não seja devastado, nós precisamos proteger a nossa mente enquanto nascente da nossa vida. Como bem disse Platão: “Se desejas curar o corpo antes deves curar a sua alma.”

CONCLUSÃO
A depressão está intimamente relacionada à devastação da alma. Os sintomas depressivos (o silêncio, a lassidão, a apatia e penumbra do deprimido) demonstram isso clara e contundentemente.
Se a devastação da natureza é um problema sério que precisa ser enfrentado, a devastação da alma, igualmente, considerando estes dias tão conturbados como os que estamos vivendo, é sério problema de saúde mental e afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo!

O que proponho como uma saída possível para combatermos a devastação da alma e, por consequência, o crescimento vertiginoso dos casos de depressão e suicídio, é uma atenção especial para o que denomino como “Ecologia da Alma”.

Ailton Gonçalves Desidério
Psicólogo Clínico
Mestre em Psicologia pela UFRJ

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